Mãe de Isabella Nardoni não assistirá a 'Tremembé' por preocupação com saúde mental
Ao anunciar publicamente em 3 de novembro de 2025 que não assistiria à série Tremembé do Prime Video, Ana Carolina de Oliveira não apenas reafirmou sua dor, mas lançou um alerta sobre o que muitos chamam de exploração midiática da tragédia. A vereadora de São Paulo, mãe de Isabella Nardoni, morta em 2008 aos cinco anos de idade, explicou que reviver o crime por meio da ficção seria como abrir uma ferida que nunca cicatrizou — mesmo após dezessete anos. "É algo que conta a minha história, mas uma coisa é certa: estou falando da minha filha, da minha história, do que eu vivi. Outra coisa, é como se eu estivesse vivenciando a cena do crime", disse ela em vídeo postado em sua conta do Instagram.
Uma escolha feita com dor, não com indiferença
Ana Carolina não nega o impacto da série. Pelo contrário: ela reconhece seu poder de provocar debate. Mas, para ela, o preço da audiência é alto demais. "Existe uma grande distância e um grande cuidado que eu quero ter com a minha saúde mental", explicou. O que a incomoda não é a produção em si, mas o modo como o gênero true crime transforma assassinos em figuras de fascínio. "Trazer criminosos para os holofotes e tratar como se eles fossem celebridades e não com a seriedade de cada caso... nós que ficamos somos vítimas secundárias. Isso faz parte da nossa vida, e a gente tem que ser respeitado, tem que ser cuidado." Ela não está sozinha nessa visão. Familiares de outras vítimas retratadas na série — como Suzane von Richthofen e Elize Matsunaga — já manifestaram preocupações semelhantes em fóruns online. Mas Ana Carolina é uma das poucas a falar publicamente com tamanha clareza e autoridade. Como vereadora eleita em 2020, ela tem usado sua plataforma para lutar por políticas públicas de proteção às famílias de vítimas, e essa declaração foi mais um passo nessa jornada.O papel de Ullisses Campbell e a linha tênue entre jornalismo e entretenimento
Mesmo sem assistir à série, Ana Carolina fez questão de elogiar o jornalista Ullisses Campbell, autor dos livros Suzane: Assassina e Manipuladora e Elize Matsunaga: A Mulher que Esquartejou o Marido, que serviram de base para a produção. "Admiro muito o trabalho do Ullisses, eu sei que ele faz algo muito, muito, muito bom", afirmou. Ela reconhece que ele não busca glorificar os criminosos, mas sim investigar as estruturas que permitem tais crimes — e isso, para ela, faz toda a diferença. No entanto, ela distingue claramente entre o trabalho jornalístico e a adaptação televisiva. "Independente de qualquer coisa, de eu falar abertamente sobre a minha história... é a história da minha vida. E eu não sei se eu tenho necessidade de me aprofundar mesmo sendo uma ficção. Necessidade de assistir? Não." A série, lançada em 31 de outubro de 2025, retrata a rotina da Penitenciária Regional de Tremembé, onde Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá cumprem pena por homicídio triplamente qualificado. A produção mistura reconstituições, entrevistas e depoimentos, criando uma narrativa que, embora baseada em fatos reais, é inevitavelmente dramatizada. E é exatamente essa dramatização que Ana Carolina rejeita.
As vítimas que não têm voz — e as que não querem ter
O caso de Isabella Nardoni foi um dos mais emblemáticos da década de 2000 no Brasil. A menina foi jogada de um prédio na Zona Oeste de São Paulo em 29 de março de 2008, após ser espancada e envenenada. O crime gerou comoção nacional e levou à mudança na Lei de Crimes Contra Crianças e Adolescentes. Mas, para Ana Carolina, a memória de Isabella não pode ser reduzida a um episódio de uma série de streaming. "Essa série conta sobre vários casos, não só o meu. E essas vítimas ficaram. E elas precisam ser lembradas e tratadas com respeito", disse ela, com a voz embargada. Ela não quer que Isabella seja vista como um "caso". Quer que seja lembrada como uma criança que amava bonecas, que tinha medo de escuro e que ria alto quando ouvia música.O que vem a seguir: um debate necessário
A decisão de Ana Carolina não é um chamado para censurar a série. Pelo contrário: ela acredita que o debate sobre ética na mídia é essencial. "Se a série faz as pessoas refletirem, se faz elas se perguntarem: 'Como isso aconteceu?', então ela cumpre um papel", afirmou. Mas ela pede que a sociedade também reflita: quem ganha com isso? Quem é silenciado? E quem continua pagando o preço? Ela já está trabalhando em uma proposta de lei para regulamentar a forma como casos reais de violência contra crianças são retratados na TV e no streaming. "Não é contra a arte. É contra a irresponsabilidade. Não podemos permitir que o sofrimento das famílias vire conteúdo viral."
Quando o luto vira política
Desde 2008, Ana Carolina transformou sua dor em atuação pública. Fundou um movimento de apoio a famílias de vítimas de crimes violentos, participa de audiências públicas e mantém contato constante com organizações de direitos humanos. Sua voz, antes silenciosa em meio ao caos midiático, hoje ecoa em salas de conselho e nas redes sociais. E agora, com essa declaração, ela redefine o que significa ser uma mãe que perdeu uma filha — não como uma figura trágica, mas como uma líder que exige respeito.Frequently Asked Questions
Por que Ana Carolina de Oliveira não quer assistir a 'Tremembé' mesmo admirando o trabalho de Ullisses Campbell?
Ela reconhece a qualidade jornalística dos livros de Ullisses Campbell, mas diferencia o trabalho escrito da adaptação audiovisual. Para ela, assistir à série seria reviver fisicamente a cena do crime, não apenas lembrar. A dramatização, mesmo baseada em fatos, a coloca de volta no momento da perda, o que prejudica seu processo de luto e saúde mental. Ela não rejeita a verdade, mas rejeita a reconstituição que a obriga a revivê-la.
Como a série 'Tremembé' retrata o caso de Isabella Nardoni?
A série dedica um episódio à história de Isabella, focando na rotina da Penitenciária Regional de Tremembé e nas vidas dos condenados, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Embora use documentos reais e depoimentos, inclui reconstituições dramatizadas que, segundo Ana Carolina, transformam o sofrimento das vítimas em entretenimento. A produção não nomeia Isabella em detalhes, mas o contexto é explícito o suficiente para gerar identificação imediata.
Quais outras famílias de vítimas já se manifestaram sobre 'Tremembé'?
Familiares de Suzane von Richthofen e Elize Matsunaga já expressaram preocupações em redes sociais, embora sem declarações tão públicas quanto a de Ana Carolina. Muitos apontam que a série não consulta as famílias antes da produção, o que gera um sentimento de violação. Algumas já pediram que os nomes das vítimas não fossem usados, mas a produção manteve os registros históricos. O debate sobre consentimento ético ainda está apenas começando.
O que Ana Carolina está fazendo para mudar a forma como crimes são retratados na mídia?
Ela está elaborando um projeto de lei para exigir que produções de true crime obtenham autorização formal das famílias das vítimas antes de retratar casos reais, especialmente quando envolvem crianças. Também propõe a criação de um selo ético para streaming, com diretrizes sobre linguagem, uso de imagens e a obrigatoriedade de incluir informações sobre apoio psicológico para espectadores. O projeto deve ser apresentado em 2026.