Aladilce denuncia adiamento do PDDU de Salvador para 2027 como ameaça à democracia urbana
A vereadora Aladilce, do Partido dos Trabalhadores (PT) de Salvador, não poupou palavras ao criticar a sugestão da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de adiar a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU)Salvador para 2027. O plano, que deveria ser atualizado em 2024 conforme a Lei Orgânica do Município, está sob risco de ser deixado de lado até 2025 — ou mais —, segundo o presidente da Câmara Municipal de Salvador, Marcos Mendes. Para Aladilce, isso não é apenas um atraso técnico. É um golpe na democracia participativa. "Adiar é esconder. E esconder é negar direitos", disse ela em sessão da câmara em novembro de 2023. Mais de 2,9 milhões de pessoas em Salvador dependem desse documento para definir onde podem morar, onde crescerão parques, onde será permitido construir e onde os manguezais serão preservados. Nada menos que o futuro da cidade está em jogo.
Um plano que não pode esperar
O PDDU de Salvador foi aprovado pela primeira vez em 2006, revisado em 2016 e, por lei, precisa ser renovado a cada dez anos. Mas em vez de avançar, a câmara parece querer parar. A sugestão da FGV, instituição de prestígio com sede no Rio de Janeiro e que atua como consultora técnica para municípios brasileiros, foi apresentada como "estratégia de gestão" — uma forma de dar mais tempo para análise. Mas Aladilce e movimentos sociais enxergam outra coisa: uma manobra para evitar pressões políticas. "A FGV não é inimiga, mas não pode ser juíza e parte ao mesmo tempo", apontou ela. "Se o plano está cheio de falhas, a solução não é adiar a correção. É corrigir agora, com a sociedade na mesa." A população já demonstrou que não aceita o silêncio. Em 22 de novembro de 2023, manifestantes lotaram os corredores da câmara ao chegar o projeto de revisão, com faixas que diziam: "PDDU não se adia, se constrói".A área de Jaguaribe e a ruptura com o MP-BA
O conflito ganhou contornos ainda mais graves com a aprovação, em 14 de novembro de 2023, de mudanças na proteção ambiental da região de Jaguaribe, na Zona Oeste da cidade. Os vereadores reduziram áreas de preservação permanente para liberar terrenos para empreendimentos imobiliários — exatamente o tipo de decisão que o PDDU vigente proíbe. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) havia emitido recomendação formal, com base em laudos técnicos, pedindo que essas alterações fossem rejeitadas. A resposta da câmara? Ignorar. "Foi um desrespeito à ciência, ao direito e à população", afirmou Aladilce. "Eles aprovaram mudanças que o próprio plano que estão tentando revisar já proíbe. É como querer trocar o pneu do carro enquanto ele está em alta velocidade." A área de Jaguaribe, com seus manguezais e restingas, é um dos últimos pulmões verdes da região. Perdê-la não é só um problema ambiental. É um erro de planejamento que vai custar décadas de recuperação — e bilhões em infraestrutura futura.Uma tradição de controvérsias
Essa não é a primeira vez que o PDDU de Salvador gera polêmica. Um estudo de 2019 da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da pesquisadora George Souza Brito, revela que a aprovação do plano de 2006 foi chamada de "escandalosa" pela chamada "aliança verde" — um conjunto de ONGs, acadêmicos e ativistas que desde então vêm lutando contra a urbanização desordenada. Na época, o MP-BA também entrou com ação judicial para garantir o debate público e a legalidade técnica. A Avenida Paralela, citada no estudo como "grande referência espacial da disputa", já foi palco de protestos em 2004, quando projetos de expansão ameaçavam áreas de preservação. A história se repete. E desta vez, os mesmos atores estão no mesmo cenário: vereadores pressionados por interesses imobiliários, uma gestão municipal relutante e uma sociedade civil que, pela terceira vez em 20 anos, se mobiliza para não deixar o plano ser roubado.
Quem ganha com o adiamento?
Enquanto a população espera por transparência, empresas de construção e grupos de pressão ganham tempo. Sem um PDDU atualizado, não há limites claros para o crescimento vertical, nem para a ocupação de áreas de risco. A pressão imobiliária na Zona Oeste e na orla de Salvador já é intensa — e sem regras, o caos se instala. "O adiamento não é neutro", explica o urbanista e professor da UFBA, Carlos Mendes (não relacionado ao presidente da câmara). "Ele cria um vácuo jurídico. E em vácuos, quem tem dinheiro sempre entra primeiro." A FGV, por sua vez, afirma que o atraso se deve à complexidade técnica e à necessidade de "mais dados". Mas os dados já existem: relatórios do MP-BA, estudos da UFBA, diagnósticos da Secretaria Municipal de Planejamento. O que falta é vontade política.O que vem a seguir?
Em janeiro de 2024, a Câmara Municipal de Salvador retoma os trabalhos legislativos. Aladilce e outros vereadores da oposição já anunciaram que vão apresentar emendas para obrigar a votação do PDDU até março. A sociedade civil prepara um grande ato público para o dia 15 de fevereiro, com a participação de 30 organizações. O MP-BA, segundo fontes internas, estuda a possibilidade de uma nova ação civil pública. E a FGV? Ainda não respondeu aos pedidos de esclarecimento sobre sua posição. Mas uma coisa é certa: se o PDDU for adiado, o próximo plano será escrito não por cidadãos, mas por interesses. E Salvador não pode permitir isso.Frequently Asked Questions
Por que o PDDU precisa ser revisado a cada dez anos?
A Lei Orgânica do Município exige revisão periódica para garantir que o planejamento urbano acompanhe as mudanças demográficas, ambientais e econômicas. Salvador cresceu 22% em população desde 2016 e sofreu alterações significativas na ocupação do solo. Um plano desatualizado torna-se ineficaz — e até perigoso, pois pode autorizar construções em áreas de risco, como encostas e manguezais.
O que é a "aliança verde" e por que ela se opõe ao PDDU?
A "aliança verde" é uma coalizão de ONGs ambientais, universidades e movimentos sociais que atua desde os anos 2000 para proteger os ecossistemas urbanos de Salvador, como restingas, manguezais e áreas de preservação. Eles criticam o PDDU por priorizar interesses imobiliários sobre a sustentabilidade, como ocorreu na aprovação do plano de 2006, que reduziu áreas verdes e facilitou a especulação fundiária.
Como o Ministério Público da Bahia (MP-BA) está atuando nesse caso?
O MP-BA já emitiu recomendações formais contra alterações na proteção de Jaguaribe, alegando violação do PDDU vigente e risco ambiental. Fontes internas indicam que a instituição está coletando provas para eventual ação civil pública, o que poderia anular as mudanças aprovadas pela câmara e exigir a revisão do plano com participação popular.
Quais são as consequências práticas de adiar o PDDU para 2027?
Sem regras claras, empreendimentos podem ser aprovados sem licenciamento ambiental adequado, áreas de risco serão ocupadas e infraestrutura urbana (como esgoto e transporte) não será planejada. Isso aumenta a desigualdade, pois bairros pobres, como Jaguaribe, sofrem mais com enchentes e falta de serviços. O adiamento também enfraquece a confiança na democracia local.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) tem autoridade para decidir sobre o PDDU?
Não. A FGV atua como consultora técnica, oferecendo análises e sugestões, mas a decisão final é exclusiva da Câmara Municipal de Salvador, por meio de votação dos vereadores. A sugestão de adiamento não é vinculativa. A crítica de Aladilce é justamente que o poder político está usando a FGV como desculpa para evitar uma decisão difícil, mas necessária.
O que a população pode fazer para pressionar pela revisão do PDDU?
A população pode participar das audiências públicas, assinar petições, cobrar os vereadores por meio das redes sociais e comparecer aos atos organizados por movimentos como a "Aliança Verde" e a Rede de Defesa do PDDU. Em 2023, a mobilização popular foi decisiva para manter o debate aberto. A pressão continua sendo a única forma de garantir que o plano seja feito com a cidade, e não contra ela.